Desde 2012, com a publicação da Resolução Normativa n° 482/20212, da Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL), é permitido aos consumidores brasileiros a geração de sua própria demanda energética através da Geração Distribuída (GD).
Através da sistemática instituída pela REN 482/2012, um consumidor de energia torna-se um prossumidor ao gerar sua demanda energética através de fontes de energias renováveis, havendo a injeção na rede de distribuição de todo o montante produzido que não foi consumido instantaneamente pelas cargas da unidade. O montante injetado retorna ao prossumidor para a compensação de suas cargas em momentos nos quais a geração é insuficiente ou nula, de modo que ao final de um ciclo de faturamento é verificada, pela concessionária de energia, a existência de créditos energéticos que podem ser utilizados em um horizonte de até 60 meses após a sua geração.
Vale ressaltar que a concepção inicial da GD no Brasil previa a compensação integral de todas as parcelas da tarifa de energia, de modo que, se a tarifa energética custasse R$ 1,00/kWh, a compensação de 1 kWh pelo sistema de geração de energia conectado à rede retornaria ao prossumidor um montante de R$ 1,00.
Tal modelo, denominado de Net Metering, propiciou ao mercado brasileiro o desenvolvimento de projetos com alta atratividade financeira, com tempos de retorno de aproximadamente 04 anos, tendo sido um forte driver para o crescimento do mercado de energia renovável no Brasil.
No entanto, desde 2018 o modelo da REN 482 tem sofrido críticas da agência reguladora, que argumenta que deve haver por parte dos prossumidores o pagamento de uma parcela da tarifa responsável pela remuneração das atividades da distribuidora de energia, tendo em vista que os prossumidores ainda fazem uso da rede de distribuição. Com isso, tem-se observado um forte dinamismo do setor de GD no Brasil, sendo o ano de 2022 decisivo para o mercado, sobretudo em razão da publicação da Lei Federal n° 14300/2022: o Marco Legal da Geração Distribuída, responsável por trazer tanto segurança jurídica ao setor em geral, como também perda da atratividade econômica de muitos modelos de negócios. O ano de 2023, por sua vez, já foi marcado pela publicação da REN n° 1059/2023 da ANEEL, que regulamenta os pontos trazidos pelo Marco Legal da GD.
Diante disso, o presente artigo tem como objetivo principal a realização de uma retrospectiva do mercado de GD em 2022, sobretudo do ponto de vista regulatório, bem como previsões para o setor no ano de 2023.
Ao final será possível a conclusão de uma maior necessidade de qualificação técnica para a proposição de modelos de negócios de geração distribuída ao cliente final, haja vista os obstáculos que serão discutidos a diante.
1. Os principais acontecimentos do mercado de GD em 2022:
O ano de 2022 foi marcado pela conexão de 7,1 GW de potência de empreendimentos de GD, sendo 90% desse montante caracterizado como microgeração distribuída, conforme relatório da pesquisadora Greener. Ressalta-se que a potência total adicionada em 2022 corresponde a aproximadamente 43% da potência total acumulada desde 2012.
O principal motor para esse grande volume de projetos foi a publicação da Lei Federal n° 14.300/2022, que trouxe benefícios aos prossumidores que solicitaram orçamento de conexão até 06 de janeiro de 2023: para tais clientes ocorrerá o faturamento conforme as disposições da REN 482/2012 até o ano de 2045, mantendo a alta atratividade financeira destes projetos.
Para os geradores que solicitarem orçamento de conexão após o dia 06/01/2023, no entanto, a Lei propõe 02 cenários de faturamento, de modo que em ambos ocorre uma desvalorização do crédito energético e consequente perda de atratividade financeira de alguns projetos:
- Cenário 01 – GD 02: os modelos de (i) Geração Junto à Carga; (ii) Geração Compartilhada, desde que os cotistas da usina não possuam mais do que 25% de participação; (iii) Empreendimentos de Múltiplas Unidades Consumidoras; e (iv) Autoconsumo Remoto até 500 kW de potência instalada entram em uma regra de transição com pagamento gradual da parcela TUSD Fio B, conforme disposições do Art. 27 do Marco Legal; e
- Cenário 02 – GD 03: os modelos de Geração Compartilhada (em que pelo menos um dos titulares detenha mais de 25% de aprticipação) e Autoconsumo Remoto acima de 500 kW de potência instalada entram em uma regra de pagamento de 100% da parcela TUSD Fio B, com adição de 40% da TUSD Fio A e as parcelas P&D e TFSEE em totalidade, a partir da entrada em opração dos empreendimentos.

Apesar da desvalorização do crédito energético proposta pelo Marco Legal da GD, houveram pontos positivos trazidos pelo instrumento legal, dentre eles:
- Proposição de uma tarifa especial para a valoração da demanda contratada de usinas remotas de minigeração distribuída, a TUSDg, que possui custo aproximadamente 50% inferior ao custo da tarifa de demanda convencional;
- Proposição do fim da cobrança em duplicidade do custo de disponibilidade;
- Proposição de novos modelos de negócios de geração compartilhada;
- Proposição de possibilidades de obtenção de receitas acessórias por usinas de geração distribuída, tais como a realização de serviços ancilares para a distribuidora de energia;
Além de importantes questões regulatórias, o ano de 2022 vivenciou uma reformulação de aspectos tributários da tarifa de energia: a Lei Complementar n° 194/2022 veda a aplicação do ICMS em alíquotas superiores ao das operações em geral para energia e outros bens e serviços essenciais e indispensáveis. Dessa forma, foi adicionado ao art. 3° da Lei Kandir o parágrafo X:
Art. 3º: O imposto (ICMS) não incide sobre:
X- Serviços de transmissão e distribuição e encargos setoriais vinculados às operações com energia elétrica.
Houve redução da base de cálculo para aplicação do ICMS, bem como redução das alíquotas aplicadas, culminando em uma redução da tarifa de energia, o que se caracteriza como um driver negativo para os projetos de geração distribuída no Brasil.
2. Desafios e perspectivas para o ano de 2023:
Diante do apresentado, conclui-se que o ano de 2022 foi caracterizado por acontecimentos positivos e negativos para o impulsionamento dos projetos de GD.
A Lei 14300 trouxe alguns pontos importantes que necessitavam de regulamentação da ANEEL, tendo sido o primeiro bimestre de 2023 marcado pela publicação da Resolução Normativa 1059/2023, que regula as disposições trazidas pelo Marco Legal.
As principais questões trazidas pela REN 1059 foram:
- O faturamento das unidades do grupo B beneficiadas com microgeração distribuída será divido em (i) faturamento do consumo não compensado pela geração; e (ii) faturamento da demanda de potência injetada;
- Unidades classificadas como “Optante B” não poderão ser beneficiadas pela geração de energia de usinas remotas de GD, nem poderão possuir unidades beneficiárias de rateio;
- Vedação de forma explícita da divisão de centrais geradoras para o enquadramento como micro GD ou mini GD, de modo que uma central geradora originalmente de 500 kW não pode ser subdivida em 10 usinas de 50 kW; e
- Regulamentação da Garantia de Fiel Comprimento para projetos de usinas remotas acima de 500 kW.
A maior polêmica trazida pela REN 10059 diz respeito ao faturamento de prossumidores pertencentes ao grupo B: a agência instituiu o pagamento de um valor relativo à demanda de potência injetada pelos geradores, de forma semelhante ao que já é praticado para prossumidores do grupo A.
No entanto, a resolução deixa claro que tal cobrança deverá ser executada apenas para consumidores cujos medidores sejam capazes de realizar leitura de demanda, o que gera dúvidas: o faturamento será executado apenas para consumidores caracterizados como optante B ou haverá adequações nos SMF’s das unidades consumidoras em baixa tensão para viabilizar o faturamento regulamentado?
Outro ponto de discussão diz respeito ao enquadramento das unidades consumidoras como optante B, haja vista que o novo marco regulatório de GD atualiza a definição destes consumidoras, adicionando o parágrafo 3 ao caput do art. 292 da REN 1000/2021, através do qual é regulamentado que unidades classificadas como B optante não podem ser beneficiadas de geração remota, nem podem possuir unidades que recebam os créditos energéticos gerados por usinas localizadas na própria carga:
Art.292.
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§ 3º Para unidade consumidora participante do SCEE, a opção de que trata o caput pode ser efetuada desde que atendidos, de forma conjunta, os seguintes critérios:
I – possuir central geradora na unidade consumidora;
II – a soma das potências nominais dos transformadores da unidade consumidora for menor ou igual a 112,5 kVA; e
III – não haver alocação ou recebimento de excedentes de energia em unidade consumidora distinta de onde ocorreu a geração de energia elétrica.
Diante do exposto, observa-se para o ano de 2023 uma certa incerteza regulatória em determinados modelos de negócios, haja vista o caráter dúbio de alguns pontos trazidos pelo novo marco regulatório da geração distribuída. Tais incertezas podem se caracterizar futuramente como drivers para a desaceleração do setor em 2023.
Em contrapartida, cita-se o aumento tarifário esperado, fruto da aprovação pelo STF da Medida Cautelar na Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 7195, que suspende o trecho da LC 194/2022 responsável por excluir da base de cálculo do ICMS parcelas da TUSD e da TE. Assim, entende-se que haverá um aumento da tarifa compensável por projetos de GD em relação a 2022, elevando-se a viabilidade financeira de algumas tipologias de projetos.
3. Conclusão:
Diante do exposto, conclui-se que o mercado de Geração Distribuída no Brasil passa atualmente por um forte dinamismo, sobretudo do ponto de vista regulatório, o qual poderá ser capaz de inviabilizar alguns modelos de negócios largamente praticados em território nacional desde 2012.
Dessa forma, para a viabilização dos novos empreendimentos, será necessário que os projetos sejam concebidos após uma larga análise do modelo de negócios pretendido, do ponto de vista jurídico-regulatório, financeiro e técnico.
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